Concorrência desleal de empregado é motivo para demissão por justa causa

Um empregado é livre para criar o próprio negócio, mas não pode usar da infraestrutura da sua contratante para promover a nova empresa. Foi este o entendimento da Justiça Trabalhista do Rio de Janeiro ao julgar o recurso de mulher demitida por justa causa.

A 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT-1) seguiu, por unanimidade, o voto do relator do acórdão, desembargador José Antonio Piton, que julgou improcedente o recurso da trabalhadora. A decisão acompanhou a sentença de instância anterior, proferida pela juíza Adriana Malheiro Rocha de Lima, em exercício na 1ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro.

Consta nos autos, que a ex-funcionária admitiu ter feito cadastro de microempreendedor individual dois meses antes da demissão. No entanto, alegou não ter angariado clientes da empregadora, e que visava apenas se resguardar de uma futura dispensa, já que circulavam boatos de dificuldades financeiras na firma contratante.

Segundo a especialista da área trabalhista do L.O. Baptista Advogados, Karina Frischlander, abrir uma empresa no mesmo setor daquela em que trabalha não configura, por si só, justa causa. A dispensa só é justificada se ficar comprovado o exercício de concorrência desleal. “O funcionário pode trabalhar em uma empresa e ser dono de outra do mesmo ramo em outra cidade, por exemplo”.

O problema, diz Karina, é quando o trabalhador tem informações privilegiadas sobre o mercado por estar em uma companhia ao mesmo tempo em que compete com ela ou quando usa da infraestrutura da contratante para alavancar o negócio próprio. Foi justamente esse último caso o analisado pela Justiça Fluminense. Uma trabalhadora promoveu – durante o expediente – o marketing da sua nova companhia distribuindo cartões na empresa em que trabalhava.

“Mesmo se a firma que ela criou tivesse uma atividade-fim diferente, só por ter realizado atividades para uma outra companhia durante o expediente, já estaríamos diante de um processo de justa causa”, aponta a advogada.

A especialista do L.O. Baptista ainda destaca que a constituição de um negócio com a mesma atividade-fim e disputando os mesmos mercados da contratante está prevista no artigo 482 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) como motivo para justa causa.

O advogado trabalhista do Chagas Advocacia, Fernando Biagioni, afirma que casos de dispensa por concorrência desleal são mais comuns em grandes centros urbanos e em atividades que preveem um maior contato com os clientes. “O caso mais comum é o do instalador de TV a cabo que vai na casa da pessoa e fala que pela empresa o serviço custa um preço, mas que se o cliente quiser fazer ‘no particular’ o preço pode ser reduzido.”

Biagioni conta que, apesar da jurisprudência estar relativamente consolidada no sentido de punir o trabalhador que compete de maneira desleal com o próprio empregador, essa decisão é importante para desestimular esse tipo de atitude. “Muitas companhias sofrem com funcionários assim, mas é o próprio trabalhador que se prejudica, como o tribunal deixou claro”, avalia.

Exclusividade

Para Biagioni, há pouco que as empresas possam fazer para se protegerem desse tipo de problema, mas um contrato bem elaborado e com regras claras acerca do que pode ser considerado concorrência desleal é bem visto na Justiça. “As empresas devem trabalhar no contrato de exclusividade para se resguardar. Para além disso, só conhecendo bem o empregado para saber se ele não vai se utilizar de má fé um dia.”

O próprio tribunal citou o regime de exclusividade como argumento para legitimar a demissão. No entendimento da 2ª Turma do TRT-1, a violação da cláusula contratual que obriga o empregado a cumprir jornada de trabalho exclusiva com o contratante, já autoriza o encerramento do contrato. “Um único ato isolado, se revestido de suficiente gravidade aos olhos do empregador, pode ensejar a ruptura contratual por justa causa”, observou o desembargador José Antonio Piton em seu voto no caso.

DCI – Ricardo Bomfim 
03/03/2017

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